BEATRIZ UQ


PERMITA-SE SENTIR

Vira e mexe eu penso sobre o quanto eu sinto demais. E não é um sinto demais romantizado, é um sentir que às vezes cansa. E eu me pego pensando se seria mais fácil se eu fosse um pouco mais indiferente, um pouco mais tanto faz, um pouco mais blindada. Mas na mesma hora, tem outra parte em mim que responde: se eu sentisse menos, eu ainda seria eu?

Por muito tempo escutei que sentir demais era um problema, que eu precisava aprender a ser mais racional, mais prática e mais madura. E hoje, quando alguma coisa me atravessa, em vez de olhar para o que eu sinto, eu já venho com o discurso de que talvez eu esteja exagerando, que eu deveria engolir e seguir.

Eu precisei pensar sobre isso e pude perceber que eu posso racionalizar por horas, explicar para mim mesma por A mais B que não faz sentido eu estar triste, com raiva ou com medo… e ainda assim sinto. E é nessas horas que eu percebo o quanto tentar ser forte o tempo todo é só outro nome para me abandonar.

Divagar sobre se permitir sentir, para mim, é quase como conversar com várias versões minhas ao mesmo tempo. É a bea mirim que engolia o choro para não tomar bronca. É a bea adolescente que fazia piada com a própria dor para ninguém notar. A bea adulta que aprendeu a resolver tudo, segurar tudo, entender todo mundo (menos eu mesma). E eu fico pensando quantas vezes eu mesma repeti, para mim, a mesma frase que me feriu quando veio de fora: para de drama, não é tão sério assim…

É estranho perceber que às vezes quem mais invalida o que eu sinto sou eu, mas penso que em muitos momentos, endurecer foi a forma que eu encontrei de sobreviver. De não perder vínculos. De não enlouquecer num mundo que não tem muita paciência para quem sente com intensidade. Não foi à toa. Não foi à toa que eu aprendi a me calar, a engolir, a deixar para lá. Teve uma lógica de proteção aí. Mas estive pensando que talvez se permitir sentir hoje não é jogar tudo isso fora, é olhar para isso com um pouco mais de carinho, um pouco menos de julgamento, sabe!?

Quando eu penso em me permitir sentir, na prática, é eu perceber que fiquei com ciúme, com inveja, com raiva e não sair correndo de mim cada vez que uma emoção aparece. É aceitar que tem dias em que eu estou triste sem saber explicar exatamente por quê, e que isso não me faz menos adulta, menos profissional, menos nada.

Às vezes, se permitir sentir, para mim, é só não cortar o choro. É ficar dois minutos a mais com aquele nó na garganta sem enfiar qualquer distração em cima só para não encostar na sensação. Outras vezes é escrever o que está embolado por dentro, mesmo que ninguém vá ler…

Tem uma parte de mim que ainda tem medo de sentir. Medo de incomodar, de perder gente, de ser a difícil, a intensa, a que sente demais. E tem outra parte que está exausta de caber nos espaços às custas de se encolher. Essas duas partes brigam às vezes, mas eu vou tentando, no meio disso, encontrar um meio-termo. Tento pensar como é que eu cuido da minha sensibilidade sem me colocar de novo em lugares onde eu preciso escondê-la para ser aceita. E quando eu penso em permitir-se sentir, eu não vejo uma meta, eu vejo um processo, compreende!? Tem dia que eu consigo ser mais gentil, mais curiosa com o que eu sinto. Tem dia que eu ainda caio no automático da autocrítica, do não é pra tanto. E aí, em vez de me punir por isso, eu tento lembrar que eu estou saindo de anos de condicionamento e eu não vou acordar amanhã conseguindo me acolher totalmente.

Talvez, no fim das contas, tudo se resuma a parar de me deixar sozinha justamente nas horas em que eu mais preciso de mim. E não é que a dor vá desaparecer porque eu me permito sentir. Mas existe uma diferença enorme entre sentir dor e sentir dor achando que eu sou errada por senti-la. Entre chorar me chamando de fraca e chorar sabendo que chorar é só uma forma do corpo dizer isso foi demais para mim. Então se é para escolher um lado, talvez eu escolha ficar do lado de quem sente. Do meu lado. Mesmo que isso signifique tropeçar em mim mesma algumas vezes até aprender a caminhar com tudo o que eu sou, e não só com a parte que aprendi a mostrar.

Vira e mexe eu penso sobre o quanto eu sinto demais. E cada vez mais eu vou chegando à conclusão de que o problema não é sentir demais. O problema é viver num mundo que pede o tempo inteiro que a gente sinta de menos.


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BEATRIZ UQ.

Tenho 30 anos (aquariana), nasci em Brasília, mas foi em Fortaleza que decidi recomeçar minha vida depois de tantas mudanças. Sou psicóloga clínica e encontrei na escrita o meu jeito de respirar e me organizar internamente.

Aqui compartilho reflexões, poemas e fragmentos que atravessam temas como amor, solidão, deslocamento e pertencimento. Escrevo porque acredito que quando damos clareza ao que sentimos, deixamos de ser reféns de nós mesmos.


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