Existem dias em que a vida por si só já exige mais do que podemos oferecer. E mesmo assim, insistimos em adicionar um peso a mais nas cobranças, nas expectativas e nas tentativas de controlar, o que claramente, não depende só da nossa vontade.
Gosto de pensar sobre o paradoxo das coisas, portanto, é interessante perceber que o controle dá uma sensação de domínio, porém esse domínio é, em geral, ilusório. Na verdade, esse movimento nos aprisiona em uma tensão constante, e talvez o mais curioso seja notar que o ato de controlar serve, muitas vezes, como uma tentativa de sobreviver ao medo de perder. Então, antes de se culpar por não estar “lidando bem”, vale se perguntar: o quanto da dificuldade é oriunda da própria situação e o quanto resulta do modo como você está tentando conduzi-la?
POR QUE ISSO ACONTECE?
O desejo de controle é reflexo de nossa herança neurobiológica e psíquica: ao buscarmos antecipar perigos e reduzir a incerteza, ativamos mecanismos cerebrais de alerta, dosando cortisol e adrenalina para nos preparar ao agir frente ao desconhecido (Sapolsky, 2017). Psicologicamente, muitos de nós crescemos aprendendo que o autocontrole e a vigilância constante são necessários para evitar sofrimento. Aaron Beck, fundador da Terapia Cognitivo-Comportamental, descreveu como nossas crenças centrais influenciam a interpretação dos eventos e conduzem à super-responsabilização diante das adversidades (Beck, 2013). Pesquisas brasileiras reforçam que a busca excessiva por controle pode estar associada a mecanismos defensivos diante do desamparo e da instabilidade (Estudos e Pesquisas em Psicologia, 2025).
Vale lembrar ainda, que algumas vivências passadas — especialmente situações em que faltou cuidado externo — fomentam padrões defensivos, onde a busca por controle compensa um vazio de segurança interior (Young et al., 2003). Assim, o cérebro, treinado à autoproteção, acaba supervalorizando perigos e nos coloca em permanente estado de alerta.
O desejo de controle, portanto, emerge como uma tentativa humana de preservar coerência diante do caos. Nossos circuitos emocionais e cognitivos, moldados tanto por experiências de ameaça quanto por ideais de estabilidade, aprendem a confundir previsibilidade com segurança. Contudo, nessa equação silenciosa, o medo de perder o controle acaba nos afastando daquilo que mais buscamos: a sensação genuína de tranquilidade. Em um nível mais profundo, controlar é tentar organizar o incerto para não sentir a vulnerabilidade que nos habita, mas é justamente nesse contato com o que não se pode prever que se encontra uma grande fonte de crescimento e presença. Entender isso não elimina o impulso, mas o suaviza, permitindo que o controle se transforme em consciência, e a rigidez, em cuidado.
Impactos
Quando o controle se torna excessivo, ele afeta não só o funcionamento psíquico, mas também o corpo. A hiperatividade da amígdala eleva o nível de cortisol (o hormônio do estresse), comprometendo o sono, a digestão e a imunidade (Sapolsky, 2004). Emocionalmente, surge a exaustão crônica, o perfeccionismo e a sensação constante de estar “por um fio”.
Na esfera comportamental, o controle excessivo pode gerar paralisia, manifestando-se pelo medo de errar, de delegar tarefas e de permitir momentos de relaxamento espontâneo. Quanto mais tentamos garantir o resultado, mais perdemos a capacidade de confiar no processo. Beck (2013) descreve esse padrão como uma distorção cognitiva de supergeneralização — interpretar eventos isolados como previsões de fracasso. O problema é que, sob controle, a mente não respira. E sem respiro, não conseguimos estar presentes no aqui e agora.
Relacionalmente, o controle se manifesta como tentativas de gerir o outro: prever reações, moldar comportamentos, antecipar rejeições. Mas a tentativa de garantir o vínculo acaba corroendo a autenticidade. Não é raro que, ao tentar manter tudo sob ordem, percamos justamente o que mais queríamos preservar: a conexão real.
Como lidar?
Reconhecer e acolher a impotência frente ao que escapa ao nosso domínio é, paradoxalmente, um passo de fortalecimento. A Terapia Cognitivo-Comportamental propõe o exercício do reframe: questionar a tendência ao catastrofismo (“é realmente minha responsabilidade?”) e reavaliar o grau de controle possível em cada situação (Beck, 2013). Práticas baseadas em atenção plena, como o mindfulness, ajudam a distinguir entre ação eficaz e vigilância ansiosa, permitindo que corpo e mente experimentem, mesmo que brevemente, uma pausa no ciclo de autocrítica (Kabat-Zinn, 2016). Mindfulness é prática regular. Tenha isso sempre em mente.
No consultório, uma intervenção eficaz é convidar a pessoa a diferenciar esforço saudável, que promove crescimento, daquele excessivo, que bloqueia o fluir da experiência. Isso implica, sobretudo, cultivar uma postura autocompassiva: “faço o que está ao meu alcance, sem negligenciar meu próprio bem-estar.”
Conclusão
Antes de tentar controlar o que escapa, talvez o convite seja apenas respirar e permitir que o difícil seja só o que é, sem adicionar o peso de ter que entender, prever ou corrigir tudo.
No fim das contas, o controle não alivia, ele só posterga a confiança. E talvez a verdadeira leveza comece quando aceitamos que a vida, às vezes, não precisa da nossa força, só da nossa entrega.
A pergunta que fica é: o que aconteceria se, ao invés de tentar segurar o mundo com as mãos, você apenas respirasse e reconhecesse o próprio limite como um gesto de coragem?
Referências
- Estudos e Pesquisas em Psicologia. (2025). Regulação Emocional Infantil: Uma Revisão Integrativa da Literatura Brasileira.
- Controle cerebral e emocional. Loyola. (2021).
- Pedro Ajala. (2024). A obsessão humana por controle.
- Psicologia: Reflexão e Crítica. (2008).
- Neurobiologia da regulação emocional: implicações para a terapia cognitivo-comportamental.
- Sapolsky, R.M. (2004).
- Beck, A.T. (2013).
- Young, J.E., Klosko, J.S., & Weishaar, M.E. (2003).
- Kabat-Zinn, J. (2016).


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