Haverá dias em que você sentirá seu corpo pesar, perceberá os pensamentos mais lentos, porém repetitivos, e até o ato mais simples exige uma força que não se encontra – chamamos isso de dias de baixa.
Embora nossa cultura insista em medir valor pela produtividade – diga-se de passagem, é um forte (mas não somente isso) contribuinte para nosso adoecimento mental – gosto de pensar que os dias de baixa, é uma tentativa do nosso organismo de recalibra-se, portanto, não antecipe o julgamento. Perceba primeiro, se o que está ocorrendo não é um momento para se recolher e cuidar-se.
Por que esses dias acontecem?
Do ponto de vista da neurociência quando estamos expostos a estresse crônico, sono irregular ou excesso de demandas, ocorre ativação persistente do eixo hipotálamo-hipófise-adrena, com aumento de cortisol e repercussões negativas na plasticidade cerebral e no equilíbrio neuroquímico (Sapolsky, 2004; McEwen, 2007). Essas alterações estão associadas a disfunções em sistemas de neurotransmissores como serotonina, dopamina e noradrenalina, que podem contribuir para apatia, desânimo e irritabilidade (Nestler & Carlezon, 2006; Duman & Aghajanian, 2012). Nessas horas, a amígdala (centro de detecção de ameaças), assume o comando e amplifica sinais de perigo, enquanto o córtex pré-frontal, responsável pela tomada de decisões e pelo raciocínio lógico, reduz sua eficiência. (Arnsten, 2009). O resultado é simples: a mente fica mais focada no que pode dar errado e menos capaz de elaborar estratégias de solução.
O impacto no cotidiano
Quando o humor cai, o comportamento acompanha. Surge a procrastinação, que rapidamente se junta à autocobrança: “não fiz nada porque estava mal, mas agora estou pior porque não fiz nada”. Essa espiral reforça sentimentos de inutilidade, baixa autoestima e desconexão. A produtividade cai, mas o mais grave é o impacto sobre o autoconceito: passamos a acreditar que somos definidos por esses dias, ou seja, o perigo não está no dia ruim, mas na interpretação de que ele nos define.
Caminhos para lidar
O que a ciência nos mostra é que não precisamos lutar contra esses dias, mas sim aprender a estar com eles. A regulação emocional, como descreve Gross (1998), começa pelo simples ato de nomear: “estou em baixa hoje”. Nomear é reconhecer, e reconhecer é abrir espaço para escolhas.
A partir daí, podemos escolher como agir diante da emoção. As técnicas da Terapia Cognitivo-Comportamental ajudam a identificar distorções, desafiar pensamentos automáticos e reestruturar a forma como interpretamos o que está acontecendo. Outro recurso fundamental é a autocompaixão (Neff, 2003): tratar-se como se trataria alguém que esteja passando por um dia difícil.
Pequenos ajustes de rotina também fazem diferença. Manter uma “rotina mínima viável” – comer, tomar banho, respirar fundo – ajuda a sustentar uma base de cuidado mesmo quando nada parece andar. Dividir o dia em microtarefas, fazer uma caminhada ao livre, exercícios de respiração ou ouvir música (não aquelas que te deprimem ainda mais, okay!? me ajude a te ajudar também hehe) também são capazes de modificar, em nível neuroquímico, o estado em que nos encontramos. O cérebro é plástico, a mente é treinável, e isso significa que mesmo os dias mais pesados não são sentenças definitivas.
Conclusão
Os dias de baixa não precisam ser interpretados como falha. Eles não definem quem você é, nem anulam o que já foi conquistado. Pelo contrário: são sinais de que o corpo e a mente precisam de pausa, recalibração e cuidado, ou seja, o mais importante não é evitar esses dias, mas aprender a não se perder dentro deles. Não se esqueça de que sempre haverá a possibilidade de recomeçar, mesmo depois de um dia que parecia perdido.
NOTA EXPLICATIVA:
Eixo hipotálamo-hipófise-adrena: é como uma linha direta de comunicação entre o cérebro e o corpo que liga o “sistema de alarme” ao “sistema hormonal”, ativando a resposta ao estresse.
Cortisol: o hormônio do estresse.
Plasticidade cerebral: é a capacidade do cérebro de mudar, aprender e se adaptar.
Equilíbrio neuroquímico: é o ajuste entre as substâncias químicas do cérebro (neurotransmissores) que regulam humor, atenção, memória e energia.
Disfunções em sistemas de neurotransmissores: significa que substâncias como serotonina, dopamina e noradrenalina ficam desreguladas, trazendo impacto no humor, motivação e foco.
Serotonina: ligada ao bem-estar e à calma.
Dopamina: ligada à motivação e ao prazer.
Noradrenalina: ligada à atenção e ao estado de alerta.
Amígdala: no cérebro, é a região que detecta ameaças e dispara reações emocionais rápidas. (Não confundir com as amígdalas da garganta, que fazem parte do sistema imunológico).
Córtex pré-frontal: parte do cérebro logo atrás da testa, responsável por planejar, tomar decisões e pensar de forma lógica. Quando o estresse domina, ele perde eficiência.
REFERÊNCIAS
ARNSTEN, A. F. T. Stress signalling pathways that impair prefrontal cortex structure and function. Nature Reviews Neuroscience, v. 10, n. 6, p. 410–422, 2009.
BECK, A. T. Cognitive therapy of depression. New York: Guilford Press, 1979.
DAMÁSIO, B. F.; KOLLER, S. H. Saúde mental positiva: avanços nas pesquisas em psicologia positiva no Brasil. Psicologia: Reflexão e Crítica, v. 28, n. 3, p. 376–384, 2015.
GROSS, J. J. The emerging field of emotion regulation: An integrative review. Review of General Psychology, v. 2, n. 3, p. 271–299, 1998.
KNAPP, P.; BECK, J. S. Terapia cognitivo-comportamental: teoria e prática. Porto Alegre: Artmed, 2008.
NEFF, K. D. Self-compassion: An alternative conceptualization of a healthy attitude toward oneself. Self and Identity, v. 2, n. 2, p. 85–101, 2003.
SAPOLSKY, R. M. Why zebras don’t get ulcers. New York: Henry Holt and Company, 2004.


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